quarta-feira, 30 de maio de 2012

A importância da hora

Há poucas pessoas que me percebem. Algumas outras, minoria, conseguem entender-me. Quando digo que gosto de me levantar bem cedo – e quando digo cedo, é mesmo cedo -, as que não me percebem ficam a olhar de lado, ou com ar pensativo. Apostava já um jantar em como lhes passa peça cabeça que não devo bater bem da bola. Talvez não bata, mas agora acho que já é tarde para mudar...

Por outro lado, já tentei (re)programar o cérebro para conseguir fotografar a outras horas do dia. Aqui e ali lá vou tentando. Principalmente quando estou longe de casa e tenho que aproveitar todo o tempo para ir registando o que vejo. Acabo, invariavelmente, por ficar com menos imagens das que devia. Acabo, invariavelmente, a lutar comigo próprio para fotografar. E quando não o faço levo com o humor quase negro da minha cara metade. Com razão.

Acontece que gosto de ter a luz ideal. Mas, para ser correcto, em fotografia não existe a luz ideal. Tudo depende do resultado que se queira. Tudo depende da disponibilidade. Depende de muita coisa.

Mas, mesmo com isto em mente, continuo a gostar de fotografar em determinadas alturas do dia. O nascer e o fim do dia são, para mim, o momento de êxtase. Não há nada a fazer.

Numas curtas férias que acabei por ter em Maio decidi, com a conivência e paciência da família, abordar esta temática de uma forma mais ou menos prática. O que, estando num local que não conhecia, tornava o “desafio” ainda mais apetecível, mas também complicado.

Férias, família e fotografia por norma não rimam bem, principalmente se quisermos obter os melhores resultados possíveis. Por sorte, fui bafejado por uma família que lá vai aturando as minhas taras e manias.

Ficam três exemplos da razão porque gosto (mais) de fotografar nos limites do dia.


Miradouro de S. João das Arribas

O sol já vai alto. Não há nuvens no céu. Está calor. Aliás, muito calor. A vista é espetacular. O rio Douro, lá em baixo, parte a terra, dividindo-a em dois países. De um lado nós, do outro nuestros hermanos. A paisagem é belíssima.

Carrego a mochila com o equipamento fotográfico, mas ainda hesito em tirá-lo. Não faz sentido nem posso ser assim tão exigente. Isto é o que penso para me mentalizar . Independentemente das condições da luz, devo guardar o que estou a ver. A partir desse momento, liberto-me um pouco e vou enchendo o cartão de memória com algumas fotografias e pequenos vídeos.

Não preciso de filtros. Ou melhor, o único de que não dispenso no momento é o polarizador. Para onde quer que me vire, para onde quer que aponte, o que quer que foque, obtenho velocidades suficientes para não precisar do tripé.

Mas, com um cenário destes, arranjei forma de regressar antes do sol surgir no horizonte, o que me obrigou a levantar bem cedinho da cama no dia seguinte.

Felizmente para alguns, mas infelizmente para mim, não há sinais de nuvens. O céu está limpinho a luz ainda é pouca. Está frio. Aliás, está uma brisa bem fresca que me obriga a vestir o blusão. Máquina colocada no tripé, filtros a postos para entrarem em ação. Tal como eu.

E lá estou eu, sozinho, no miradouro de S. João das Arribas, com a objetiva apontada para o Douro. O topo das arribas começa a ser inundado de luz e de cor. A paisagem, agora, mesmo sendo a mesma que vi no dia anterior, parece diferente, ainda mais bonita. A vegetação ganha um colorido mais agradável. Aqui está a vantagem de fotografar com luz menos dura.

Apenas o contraste entre o céu e a terra necessita de ajuda para ser equilibrado. Para isso recorro a um filtro ND Gradiente 0.6 hard. Chega e sobra para manter a informação e não se notar no resultado final.



Fraga do Puio

Engraçado como, sem querer, “descobrimos” alguns locais, quando estamos à procura de outros. Parece um passatempo mas, no caso, não. Picote foi-me aconselhado mas para ver uma albufeira, ou barragem, ou algo parecido e que era algo de muito grande (?!). Ainda hoje acho que devo ter percebido mal, porque não encontrei nada do género.

De qualquer modo, chegado a Picote, uma das várias freguesias de Mirando do Douro e que se situa mesmo no alto das Arribas do Douro e integrada no Parque Natural do Douro Internacional, paro o carro e pergunto se me sabem indicar o “tal” local. Pela expressão da simpática senhora, sinto-me um Indiana Jones em busca de algum tesouro escondido. Do que pergunto nada sabe, mas propõe que vejamos (eu e família, claro) o miradouro da Fraga do Puio, uns metros mais à frente de onde tinha estacionado o carro.

Desconfiado, mas ao mesmo tempo intrigado, avanço então uns duzentos metros por terra batida. A pé, porque o carro (já) estava à sombra. Cheguei e disse: “FABULOSO!”. Do miradouro temos uma vista de cortar a respiração.

Mas já é meio-dia, o sol e calor apertam e, mais uma vez, a luz não é a ideal para fotografar. Pelo menos para mim. As nuvens, mais uma vez, estão de folga. Mas tenho que fotografar a família e, já que ali estou, a paisagem.

Chega mais um casal. Máquina fotográfica a tiracolo e a mesma expressão de espanto ao chegarem ao local. É impossível não reagir a tamanha beleza e eu não conseguia deixar de pensar que a tinha que registar num outro momento do dia. Era quase imperativo.

Inevitável foi também a troca de olhares para o equipamento que cada um tinha em seu poder. Disse inevitável porque não acredito que quem fotografe, ou goste de fotografia e tenha uma máquina, não sinta curiosidade em saber o que leva o seu “adversário”. Não quer dizer absolutamente nada, mas a tentação de ver se a minha é maior do que a tua faz parte do ser humano e, no caso específico, do ser fotógrafo. Adiante...

Comento com a minha mulher que, embora já tenha algumas imagens, não são as melhores, por causa da luz. Lá está, novamente a luz. E eis que alguém fala a mesma língua que eu. Do outro casal, o homem, concorda comigo. Que a luz não é a ideal. Finalmente um companheiro, alguém que me percebia.

Mais uma vez não preciso de tripé, nem filtros. Tenho luz que chega e sobra. Nem precisava de tanto. O que tenho a mais de luz trocava de boa vontade por algumas nuvens. Mas Ele, lá em cima, não está para me aturar.

Faço o melhor que posso e aviso a família que com ela, ou sem ela, com nuvens, ou sem nuvens, ao final do dia lá estarei novamente.

E, horas depois, lá estamos nós, de volta ao topo do mundo – pelo menos do que eu consigo vislumbrar -, ao topo da Fraga do Puio. Pouco passa das sete da tarde e até o sol se pôr ainda falta muito tempo. Muito, mesmo. Mais do que uma hora. Aproveitamos para fazer um mini-piquenique e aproveitar as vistas. Só lá estamos nós. E uns pássaros. E uns insectos. Enfim, nós e a natureza.

Quase uma hora depois noto que as minhas companheiras já começam a ficar impacientes. Ou então sou eu que me estou a colocar no lugar delas. Sinto necessidade de acelerar, mesmo que a luz ainda não esteja bem a gosto, ou no ponto.

Máquina no tripé, medição feita e preciso de um filtro gradiente. Grande parte das arribas começa a ficar à sombra e existe muito contraste com o céu que, feliz e finalmente, me ofereceu algumas nuvens. Entra em ação um ND Grad 0.9 Hard, já que tenho um horizonte bem certinho. Verifico mais uma vez a exposição, ISO no mínimo, carrego no botão do comando disparador e guardo o momento.

Analiso o histograma e verifico que está bem, ligeiramente chegado à direita, como habitualmente gosto de o ter. Comparando com a imagem, quase idêntica, que fiz por volta do meio dia, não tem nada a ver. É caso para dizer que se é verdade que não existe luz ideal, a importância da hora é fundamental. Pelo menos para mim...


A cabana do Francisco

Depois de sair da Fraga do Puio, em direção a Mirando do Douro, para almoçar, cruzo-me com uma cabana num descampado. Era a cabana e mais nada.

Ligar aquela cabana às que vemos em filmes americanos foi um passo. Não faço ideia quem seja o Francisco, mas gabei-lhe a cabana. Não por ser nova, ou cómoda, mas por ser, digamos, diferente (?). Uma janela, escadas de acesso e um alpendre. Tudo em madeira. E inclinada. Não sei de defeito, ou feitio. Só sei que ali tinha um bom motivo para fotografar. Mas, mais uma vez, a hora não era a melhor. Sim, estou a tornar-me repetitivo e aborrecido (ou chato, como preferirem).

Como já tinha planeado voltar àquelas bandas ao final da tarde para revisitar a Fraga do Puio (ver atrás), não podia deixar de fazer o mesmo à cabana do Francisco. Assim, depois de guardar mentalmente algumas possíveis composições, segui viagem na esperança de ter um final de dia produtivo.

E assim foi, depois de alguma fotos da Fraga do Puio, tento aproveitar os últimos raios de cor que pintam o céu com ajuda das poucas nuvens existentes. Poucas, mas que contribuíram de alguma forma para o resultado final.

Desfruto de cada momento, da paisagem que tenho à minha frente. Mesmo recorrendo a um filtro gradiente de passagem dura 0.9 (3 stops) consigo que não seja notado no resultado final. A cabana do Francisco, ao ultrapassar o horizonte, era um problema, que acabou por não ser. Quando bem utilizados, os filtros gradientes, mesmo os passagem dura (ou hard) são bastante perdulários.

A luz pode, ou não, ser a ideal, mas a hora a que fotografamos é fundamental para conseguirmos melhores resultados ou, pelo menos, diferentes. Aqui, o que à hora de almoço era um espaço seco, sem vida, demasiado amarelo, ganhou outra vida ao final do dia, parecendo muito mais verdejante do que foi a outra hora.

Agora, que vejo esta fotografia da cabana do Francisco, ao final do dia, no ambiente de trabalho do meu computador, em tamanho grande com todos os pormenores bem visíveis, concluo que tenho "a" fotografia das férias. Que cheguei mesmo na hora H!


Nota curiosa, ou nem por isso: Já pesquisei na Internet à procura desta cabana, se existia alguma referência, vídeo, ou fotografia. E não encontrei nada. Não acredito que tenha sido o único a dar-lhe oportunidade de brilhar. Se souberem, ou descobrirem algo sobre a mesma, digam alguma coisa.

11 comentários:

  1. Excelente Mauricio. É um prazer ler as tuas crónicas fotográficas!

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  2. Adorei este texto. Revejo-me vezes sem conta nele. Em como é dificil ter alguém ao nosso lado que nos entenda, em como é dificil alguém compreender pq é q nos levantamos às 4h30 da manhã para ir fotografar uma ponte ou um pontão...
    Sim, quem gosta de fotografar não é bom da cabeça, mas é muito feliz ao fazê-lo.

    Muito Obrigado
    Nuno Martins

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  3. Nuno, obrigado pelo comentário.

    Ainda bem que nos compreendemos uns aos outros. Valha-nos isso :)

    abraço

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  4. Pois, a luz sempre a luz... Que tantas vezes nos condiciona e quando nos levantamos de madrugada e não levamos os resultados desejados para casa, porque pura e simplesmente a tal dita luz decidiu não cooperar nesse dia.

    Ossos do ofício, mas o vício ajuda a ultrapassar isso tudo e no dia seguinte toca a levantar cedo novamente, e se for preciso voltar ao mesmo local até termos a foto que queremos.

    Parabéns pelo artigo.

    Cumprimentos.

    Ricardo Vilela

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  5. Viva, parabéns pelo artigo.

    Já tinha enviado comentário e não sei se aguarda moderação ou eu é que sou nabo e não fiz bem a publicação.

    Resumindo o que tinha escrito anteriormente, quantas vezes a luz nos obriga a levantar novamente de madrugada para irmos fotografar o que não se conseguiu no dia anterior.

    Mas este belo vício é mais que recompensante, quando conseguimos atingir os resultados pretendidos.

    Cumprimentos.

    Ricardo Vilela

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  6. Excelente artigo! Adorei!

    Cumprimentos
    Gabriela Gonçalves

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  7. É de louvar o seu empenho e a sua paixão enorme pela fotografia. É verdade que a maioria das pessoas não apreciam a arte da fotografia como o melhor que se tem na vida, acham uma seca andar com uma maquina na mão e perder tempo a olhar pelo binóculo da máquina, do que aproveitar o tempo com outras coisas. Na verdade, as pessoas criticam os loucos de máquina na mão, mas no fundo adoram ver os resultados finais dos trabalhos dos loucos de máquina na mão que perderam horas a fio para captarem o momento ideial. Eu sou um apaixonado pela fotografia, pois é como através dela podemos transmitir sensações, sentimentos e mensagens. Caro Maurício Reis, é com uma enorme emoção que o aplauso pelo seu trabalho, pelo seu empenho e pelo modo que trata os seus leitores de forma carinhosa para estes poderem dar asas a imaginação e incentivo próprio para desmonstrarem as suas capacidades técnicas.

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  8. Obrigado Luís.

    Ainda bem que há cada vez mais loucos de máquina na mão - onde me incluo, sem qualquer receio de ser internado compulsivamente.

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